Em um mundo onde a tecnologia conecta bilhões de pessoas instantaneamente, o indivíduo moderno parece paradoxalmente mais desconectado — de si mesmo, dos outros e da realidade. A ascensão de hábitos peculiares, como a popularidade dos bebês reborn, o aumento alarmante de transtornos mentais e o isolacionismo social presencial em favor de uma hiperconexão virtual levantam uma questão inquietante: estaria a sociedade enfrentando uma decadência do indivíduo? O que leva alguém a buscar afeto e laços reais por simulacros de interações?
Uma Epidemia Silenciosa
A saúde mental global enfrenta uma crise sem precedentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de ansiedade e depressão aumentou 25% no primeiro ano da pandemia de COVID-19, com jovens e mulheres entre os mais afetados. No Brasil, a situação é ainda mais grave: o país lidera o ranking mundial de transtornos de ansiedade e é o quarto em casos de depressão. Em 2024, o Ministério da Previdência Social registrou 440 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais e comportamentais, um aumento de 67% em relação a 2023. Ansiedade (141.414 casos) e episódios depressivos (113.604) lideram as causas, enquanto a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano entre 2011 e 2022, segundo a Fiocruz.
A pandemia intensificou essa crise, mas suas raízes são mais profundas. Pressões socioeconômicas, como desemprego e precarização do trabalho, combinadas com o impacto das redes sociais, criam um terreno fértil para o sofrimento psíquico. “Vivemos em uma sociedade adoecida, com sequelas de traumas coletivos e individuais”, explica o psicólogo Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, da Universidade Federal da Bahia.
Isolamento Presencial, Hiperconexão Virtual
Enquanto as interações presenciais diminuem, as redes sociais dominam o cotidiano. O Brasil é o segundo país que mais passa tempo online, com uma média de 9 horas e 29 minutos por dia, sendo 3 horas e 34 minutos em redes sociais, segundo o IBGE. Contudo, essa conectividade não equivale a conexão genuína. Estudos associam o uso excessivo de redes sociais a sentimentos de solidão, ansiedade e baixa autoestima, impulsionados pela comparação social e pelo cyberbullying. O psicólogo Jonathan Haidt, em A Geração Ansiosa (2024), argumenta que smartphones e redes sociais contribuem para uma epidemia de transtornos mentais entre jovens, com aumento de automutilação e comportamentos suicidas.
A exposição a fake news também agrava o problema. Informações sensacionalistas ou distorcidas nas redes sociais provocam respostas emocionais intensas, como medo e raiva, impactando a saúde mental. Uma pesquisa da UERJ (2020) mostrou que, durante a pandemia, os sintomas de ansiedade e depressão no Brasil dobraram em apenas um mês de quarentena.
Bebês Reborn: Um Símbolo de Solidão?
Nesse contexto de desconexão, os bebês reborn — bonecas hiper-realistas que simulam recém-nascidos — emergem como um fenômeno intrigante. Popular entre mulheres adultas, o colecionismo dessas bonecas reflete motivações complexas, como luto por perda de filhos, infertilidade ou busca por afeto. No Brasil, o mercado de reborns cresce, com preços variando de R$500 a R$5.000, impulsionado por artesãs e plataformas como Mercado Livre. Para alguns, essas bonecas são terapêuticas, oferecendo conforto em momentos de solidão. Para outros, o apego excessivo pode indicar dificuldades em lidar com a realidade. “Os reborns podem ser uma forma de expressão emocional, mas também um sinal de isolamento social não tratado”, observa a psicóloga Maria Helena Pereira.
Reconexão Possível?
A decadência do indivíduo reflete uma sociedade em transformação, marcada por laços sociais frágeis e pela busca por significado em objetos ou interações virtuais. As consequências são profundas: fragmentação social, estigmatização da saúde mental e alienação. Contudo, há caminhos para a reconexão. Iniciativas como o Janeiro Branco promovem conscientização, enquanto o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito. A rede de 3.019 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) no Brasil é um recurso valioso, embora enfrente desafios de subfinanciamento.
Como equilibrar a conexão digital com a reconexão humana? A resposta pode estar em resgatar o que nos torna únicos: a capacidade de criar laços, refletir e buscar sentido. Conscientização, acesso a serviços de saúde mental e apoio coletivo são passos para reverter essa crise e reacender a essência do indivíduo.




















