Qualquer observador atento e que ainda não foi consumido por nossa sociedade um tanto quanto estranha, observa em qualquer corte social vários comportamentos no mínimo controversos, distantes de qualquer razoabilidade. A anos atrás em uma graduação que fiz, conheci um interessante esquema desenvolvido por um psicólogo, onde este explicava de forma simples a graduação das necessidades de um ser humano, ao me deparar com isso não pude deixar de meditar e comparar suas observações ao meu redor e tentar identificar alguma de suas proposições. Cá estou eu muitos anos depois observando não mais apenas indivíduos mas também a sociedade brasileira e ainda lembrando de algumas das ideias apresentadas a mim tantos anos atrás, é certo que uma simplificação de uma teoria, ainda mais se tratando de pessoas e sociedades, irá chegar em resultados inconsistentes, mesmo assim, ainda tenho como passatempo olhar e em alguma medida analisar o quanto posso. Dito isso, ainda sim me indago com coisas às quais observo que parecem totalmente contraproducentes, como pessoas usando seu pouco dinheiro para parcelar um celular super caro, sendo que não possuem nem uma refeição decente em suas mesas.
A seguir trago um texto tentando puxar o leitor a como eu observar e analisar um pouco de nossa sociedade e quem sabem em muito a si mesmo, a tentar quebrar esse ciclo esquizofrênico e decadente em que estamos entrando cada vez mais.
Contextualizando um pouco, Abraham Maslow, um psicólogo americano do século XX que propôs uma teoria para explicar o que motiva o ser humano: a pirâmide das necessidades. Na base, estão as necessidades fisiológicas (comida, água, moradia, saúde) e de segurança (proteção, estabilidade financeira). Acima, vêm as sociais (relacionamentos, pertencimento), a estima (reconhecimento, autoestima) e, no topo, a autorrealização (propósito, criatividade). Segundo Maslow, só buscamos os níveis superiores após satisfazer os inferiores. No Brasil, porém, essa lógica parece se dissolver em uma realidade paralela, onde carências básicas convivem com anseios por status e validação, desafiando a hierarquia das prioridades.

Uma base frágil, um olhar ao topo
Em 2022, 33,1 milhões de brasileiros viviam em insegurança alimentar, sem acesso regular a alimentos nutritivos. Saneamento básico também é um desafio: apenas 7,1% das casas na região Norte têm acesso a rede de esgoto, e 39,7% dos municípios brasileiros não possuem esse serviço. Apesar dessas carências, muitos jovens, mesmo em situação de vulnerabilidade, priorizam a compra de um celular de última geração ou roupas de marca. A aceitação social, antes cultivada em laços presenciais, migrou para o virtual. Likes, comentários e seguidores nas redes sociais tornaram-se uma moeda de troca mais urgente que comida ou moradia digna. “Um feed impecável no Instagram parece mais vital que um prato cheio”, reflete um observador do cotidiano brasileiro. Essa inversão sugere que as necessidades de estima e pertencimento estão suplantando a base da pirâmide, em um contexto onde a desigualdade molda escolhas.
Segurança em Xeque
A segurança, outro pilar fundamental, é relativizada. Em 2024, o Brasil registrou 38.722 mortes violentas, sendo 35.642 homicídios intencionais, com estados como Bahia e Rio de Janeiro entre os mais afetados. Em comunidades marcadas por esgoto a céu aberto e violência crônica, a presença de milicianos e traficantes é vista como parte do dia a dia. Moradores de favelas convivem com tiroteios e assédio como se fossem inevitáveis. Enquanto isso, classes média e alta absorvem a cultura do crime por meio de gêneros musicais como funk e trap, que muitas vezes glorificam o tráfico e a ostentação. O uso de drogas ilícitas, que financia o crime organizado, é naturalizado em festas e rodas sociais, atravessando barreiras de classe. Essa normalização, presente desde comunidades vulneráveis até condomínios de luxo, compromete a busca por estabilidade e proteção, desafiando a lógica de Maslow.
Conexões Virtuais, Vazio Real
As necessidades sociais, que envolvem laços de afeto e pertencimento, também sofreram uma transformação. A validação online substituiu grande parte das conexões presenciais. jovens e adultos investem horas curtindo imagens e postagens, buscando aceitação em likes e comentários. Essa transferência para o virtual cria uma ilusão de pertencimento, mas muitas vezes deixa um vazio emocional, já que relações reais são negligenciadas. “As pessoas trocam abraços por emojis”, comenta um brasileiro atento às redes. Essa dinâmica reforça a superficialidade, onde a imagem pública prevalece sobre vínculos autênticos.
Autorrealização ou Espelho Social?
No topo da pirâmide, a autorrealização deveria refletir paixões genuínas: o amor pela arte, pelo conhecimento ou por um propósito maior. No Brasil, porém, ela é frequentemente reduzida a demonstrações de status. Estudantes cursam graduações sem interesse, apenas para ostentar um diploma. Outros consomem desenfreadamente, acumulando bens materiais, ou exibem exageros nas redes de “vidas saudáveis” performativas a modismos envolvendo sexo e substâncias, tudo registrado para validação externa. “Não vejo paixão por ideias, mas uma corrida por imagem e bens”, observa um cidadão. Essa cultura valoriza o efêmero, enquanto o intangível como crescimento pessoal ou impacto social ficam em segundo plano. Mesmo em um país de tantas carências, a busca por status parece universal, permeando favelas, bairros de classe média e condomínios de elite.
Um Olhar para o Futuro
A pirâmide de Maslow, desordenada no Brasil, revela uma sociedade que reescreveu o que é essencial. Trocamos comida por likes, segurança por aceitação da violência, e propósito por fachada. O que nos levou a essa realidade paralela? Seria a desigualdade, que força escolhas impossíveis? Ou uma cultura que supervaloriza a imagem em detrimento da essência? Mais importante: como resgatar valores que equilibrem sobrevivência, laços reais e realização genuína? Essas perguntas ecoam em um país de contradições, convidando cada um a refletir sobre o que, de fato, nos move.
Imagem de capa: Foto de Tuca Vieira que mostra Paraisópolis e prédio de luxo do Morumbi rodou o mundo e virou símbolo da desigualdade social
Foto: Tuca Vieira / BBC News Brasil