O debate sobre os moradores de rua no Brasil frequentemente se perde em retórica vazia, onde o termo “higienismo” é jogado ao vento como uma acusação automática contra qualquer tentativa de intervenção ou desmobilização. Essa prática, cada vez mais comum entre certos grupos políticos e ativistas, não apenas banaliza um conceito historicamente relevante, mas também revela uma preocupante falta de compromisso com as reais necessidades dessa população vulnerável. Sob o pretexto de defender direitos humanos, muitos utilizam o discurso como uma ferramenta de autopromoção ou polarização ideológica, enquanto os problemas concretos dos moradores de rua — como violência, falta de moradia e acesso precário à saúde — seguem sem solução. Este texto critica essa postura hipócrita e defende que o foco deve se voltar para ações práticas, em vez de palavras ocas.
Recentemente, em 13 de junho de 2025, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparam por duas horas o canteiro de obras de um jardim de chuva que a prefeitura de São Paulo está construindo sob o elevado João Goulart, conhecido como Minhocão, na avenida Amaral Gurgel. O protesto visava denunciar a remoção de pessoas em situação de rua da região, acusando a gestão de Ricardo Nunes (MDB) de priorizar a especulação imobiliária e a “limpeza” urbana em detrimento de políticas habitacionais. Os manifestantes afirmaram que a obra expulsa os moradores sem oferecer alternativas, enquanto a prefeitura defende o projeto como parte da revitalização do espaço público para controle de enchentes. Esse episódio exemplifica como o termo “higienismo” é rapidamente invocado, muitas vezes sem considerar o contexto ou buscar soluções viáveis.
A Banalização do “Higienismo”
Originalmente, o higienismo refere-se a políticas do século XIX que, sob o argumento de promover saúde pública, resultaram na exclusão de populações pobres. No Brasil, exemplos como a destruição de cortiços no Rio de Janeiro ilustram essa lógica. Hoje, porém, o termo é banalizado, aplicado a qualquer desmobilização sem análise detalhada. Essa generalização transforma o conceito em uma arma retórica, usada para atacar adversários políticos, mas raramente acompanhada de propostas concretas. A ocupação do Minhocão pelo MTST, por exemplo, focou na denúncia, mas não avançou em demandas por moradia imediata, deixando os afetados na mesma vulnerabilidade.
O Discurso Político como Escudo
Grupos e figuras públicas que rotulam toda desmobilização como “higienista” muitas vezes agem mais por interesses políticos do que por genuína preocupação. Protestos como o do MTST ganham visibilidade, mas raramente resultam em melhorias práticas. A crítica ao suposto “higienismo” vira um grito de guerra que mobiliza apoiadores e reforça narrativas ideológicas, enquanto os moradores de rua continuam expostos a condições desumanas. Essa postura oportunista ignora a complexidade do problema, usando a causa como palco para vaidades, em vez de buscar soluções como abrigos ou programas habitacionais.
Segurança e Saúde
A realidade dos moradores de rua no Brasil é marcada por sérios desafios de segurança e saúde. Estudos indicam que essa população enfrenta taxas elevadas de violência, com mais de 46 mil denúncias registradas entre 2020 e 2024, incluindo agressões físicas e exposição a riscos. A saúde também é crítica, com prevalência de transtornos mentais e uso abusivo de substâncias, agravados pela falta de acesso a cuidados médicos. A ausência de saneamento básico e alimentação regular transforma a vida nas ruas em uma luta diária pela sobrevivência, evidenciando a necessidade de políticas que vão além de discursos.
Os índices de crescimento dessa população são alarmantes. Entre dezembro de 2023 e dezembro de 2024, o número de pessoas em situação de rua no Brasil aumentou em cerca de 25%, alcançando 327.925 indivíduos. Esse crescimento reflete falhas estruturais, como o déficit habitacional e a falta de políticas públicas eficazes, agravando a vulnerabilidade em um contexto de baixas temperaturas, como as registradas recentemente.
Com as baixas temperaturas que atingem o Brasil neste junho de 2025, a falta de abrigo adequado tem resultado em tragédias evitáveis. Em Cotia, na região metropolitana de São Paulo, um morador de rua de 63 anos faleceu, com suspeita de hipotermia. No Rio Grande do Sul, três pessoas morreram em uma única noite devido ao frio intenso, enquanto na capital paulista outras mortes foram relatadas nas últimas semanas. Esses casos destacam a urgência de medidas como a distribuição de cobertores e a ampliação de abrigos, em vez de apenas criticar desmobilizações sem oferecer alternativas.
Por Soluções, Não Palavras
A verdadeira defesa dos moradores de rua não está em rotular toda ação como “higienista”, mas em exigir soluções que respeitem sua dignidade. Iniciativas de programas de acolhimento mostram que é possível reduzir a população de rua com políticas bem planejadas. A banalização do “higienismo” desvia o foco dessas possibilidades, mantendo o debate preso a acusações. É hora de trocar a retórica por ação, priorizando a vida de quem sofre nas ruas.