A construção de um abatedouro municipal em Guabiruba, Santa Catarina, está no centro de uma polêmica denúncia ao Ministério Público (MP-SC) que expõe possíveis irregularidades e uma gestão pública questionável. A obra, parte do Processo Licitatório nº 132/2023 e orçada em R$ 1,5 milhão, avança em um terreno na Rua Jacó Boos, bairro Pomerânia, supostamente doado em 2021 por Martinho Carlos Kohler. No entanto, registros mostram que a área, inscrita sob a matrícula nº 3.706 no Registro de Imóveis de Brusque, ainda pertence ao doador, sem transferência formal ao município até março de 2025. Mesmo sob investigação do Inquérito Civil nº 06.2024.00005322-2 e reiteradas cobranças do promotor Daniel Westphal Taylor, da 3ª Promotoria de Justiça de Brusque, a Prefeitura de Guabiruba segue executando o projeto, desafiando a legalidade e a transparência em um caso que cheira a favorecimento privado.
A denúncia, inicialmente registrada como Notícia de Fato nº 01.2024.00047124-1 em 9 de outubro de 2024, foi apresentada por cidadãos da região que questionam a aplicação de recursos públicos. Segundo o relato, o terreno foi “doado” por Kohler em dezembro de 2021, conforme a Lei nº 1.771, mas o processo de regularização emperrou. Documentos do MP-SC mostram que, em 28 de novembro de 2024, o promotor exigiu comprovação da doação em três dias, após a prefeitura já ter sido notificada anteriormente. A resposta, em 4 de dezembro de 2024, veio com o Termo de Doação nº 001/2021, assinado por Kohler e o prefeito Valmir Zirke, mas sem o registro efetivo da transferência. A prefeitura culpou a demora por trâmites na Secretaria de Planejamento Urbano, prometendo regularizar a situação em 90 dias a partir de março de 2025. Enquanto isso, a ordem de serviço foi assinada, e a obra segue em terreno privado, uma irregularidade gritante que indigna os denunciantes.

Um dos pontos mais suspeitos é a cláusula de reversão incluída na doação. Conforme a Lei nº 1.771, sancionada por Zirke em 10 de dezembro de 2021, o terreno retorna ao doador se a obra não for concluída até 31 de dezembro de 2024 — um prazo que já expirou. O prefeito confirmou essa condição em entrevista ao jornal O Município em 14 de dezembro de 2021, afirmando que “se em três anos não for construído, o terreno volta ao proprietário”. Com a transferência ainda pendente e a obra em andamento, a cláusula levanta sérias dúvidas. “Parece um acordo costurado nos bastidores. Se a obra atrasa ou não sai, Kohler recupera o terreno, e o município fica com o prejuízo”, acusou o denunciante. A lentidão na regularização, aliada ao avanço da construção, reforça a percepção de que o projeto pode ter sido desenhado para beneficiar o doador e seus aliados, como Jorge Luiz Kohler, proprietário de terras vizinhas (matrícula nº 9.699).

A denúncia também aponta falhas na infraestrutura e na origem dos recursos. A Rua Jacó Boos, local da obra, não tem pavimentação nem drenagem adequadas, conforme destacado na representação. Isso poderia ser usado como pretexto para pressionar o município a realizar melhorias futuras, beneficiando os vizinhos — possivelmente parentes de Kohler — às custas do erário. Quanto ao financiamento, os R$ 1,5 milhão foram anunciados como emenda parlamentar do deputado João Amin (PP), mas não aparecem nos portais de transparência, segundo o denunciante. “Não encontrei esse recurso. Será que estão usando dinheiro do município sem nos informar?”, questionou. O edital da Tomada de Preços nº 013/2023, publicado pela prefeitura, confirma o custo de R$ 1,5 milhão para uma edificação de 311,35 m², mas a falta de clareza sobre a fonte alimenta suspeitas de uma possível má gestão ou um suposto desvio de verbas públicas.
A viabilidade econômica do abatedouro é outro calcanhar de Aquiles. Durante a 86ª sessão do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (Concidades), em 17 de abril de 2024, a secretária de Meio Ambiente, Bruna Eli Ebele, informou que a licença ambiental permite apenas dois abates de bovinos ou cinco de suínos/ovinos por dia. O secretário de Agricultura, Antonio Roberto Assunção, estimou o custo de abate de gado em R$ 500, gerando R$ 22 mil mensais com 22 dias úteis. Porém, despesas com salários, limpeza, descarte de vísceras e manutenção tornam o projeto insustentável, prevendo prejuízo aos cofres públicos. “Se cobrarem mais caro, ninguém vai usar. Se cobrarem menos, o município arca com o rombo”, criticou o denunciante. Em uma cidade onde a economia é dominada pela indústria têxtil e apenas 7% da população vive na zona rural, a iniciativa soa como um capricho totalmente fora da realidade.

A insistência da prefeitura em avançar, mesmo diante das cobranças do MP-SC, é o que mais chama atenção. Em 13 de dezembro de 2024, o promotor evoluiu a Notícia de Fato para inquérito civil, destacando que “tudo indica que até hoje o imóvel não foi transferido” e cobrando o registro atualizado. Em 6 de março de 2025, a prefeitura respondeu que o desmembramento ainda estava em andamento, estimando 90 dias para concluir — prazo que termina em junho de 2025. Mesmo assim, as obras seguiram sem regularizar a situação do terreno, que permanece em nome de Martinho Carlos Kohler. “É um descaso total. Estão gastando nosso dinheiro em algo que nem é do município”, disse o denunciante, que pediu urgência na suspensão do projeto. O MP-SC segue investigando, mas a falta de ação concreta permite que a construção prossiga, desafiando os interesses da população.

A denúncia vai além das questões técnicas e aponta para um possível favorecimento de elites locais. O denunciante sugeriu que supostamente o abatedouro beneficiaria “o prefeito, vereadores, amigos e familiares que possuem animais de grande porte”, em vez de atender às necessidades coletivas. Guabiruba, conhecida por sua indústria têxtil e com um hospital municipal precisando de reformas há anos, poderia direcionar os R$ 1,5 milhão para prioridades mais urgentes, como a saúde. “Há 13 anos, isso talvez fizesse sentido, mas hoje é um elefante branco para poucos”, argumentou. Como alternativa, ele propôs parcerias com abatedouros licenciados em cidades vizinhas, uma solução mais barata e eficiente para coibir abates clandestinos sem onerar os cofres públicos.
O caso ganhou tração entre cidadãos da região, que buscam visibilidade para pressionar por mudanças. “A mídia local não sabe disso ainda. Precisamos que mais gente veja”, disse o denunciante, que, apesar de não ser de Guabiruba, mobilizou apoio local. A obra, enquanto avança em terreno privado, simboliza para muitos um exemplo de gestão irresponsável e opaca. Com o MP-SC aguardando atualizações até junho de 2025, a população espera por respostas e ações concretas. Até lá, o abatedouro de Guabiruba segue como um monumento à dúvida: um projeto legítimo ou um arranjo para beneficiar poucos às custas de todos?
Documento na Íntegra: Leia os Detalhes da Denúncia e da Investigação
Para quem deseja se aprofundar nos detalhes da denúncia e acompanhar a troca de ofícios entre o MP-SC e a Prefeitura de Guabiruba, o “O Escudo” disponibiliza abaixo o documento completo, obtido com exclusividade. Confira os 81 páginas do processo, desde a representação inicial até as respostas da prefeitura e os despachos do promotor Daniel Westphal Taylor.