Um relatório preliminar do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) identificou um superfaturamento de R$ 646.615 na compra de material didático para professores da rede municipal de ensino do Recife. Segundo auditoria, a gestão do prefeito João Campos (PSB) teria desembolsado quase o triplo do valor razoável entre os anos de 2023 e 2024.
O órgão relatou que a Secretaria de Educação adquiriu 3.317 kits da empresa Mind Lab do Brasil para os docentes, pelo preço de R$ 310,94 cada, totalizando R$ 1.031.400. Contudo, o valor máximo recomendado pelo TCE deveria ser de até R$ 116 por unidade, o que somaria R$ 384.772.

O valor por unidade também representa mais de cinco vezes o que foi pago por cada material didático do aluno, que custou R$ 58. O Tribunal apontou que a diferença de composição entre os kits – que incluem dois livros extras para os professores – não justifica a grande distinção de valores.
Discrepância nos custos
O levantamento do TCE revelou que, enquanto o kit dos alunos é composto por três livros, uma jogateca e uma caixa, custando R$ 58, o kit dos professores, que inclui cinco livros e uma jogateca, alcança R$ 3.438 por unidade. Essa diferença gera questionamentos sobre a razoabilidade dos valores praticados.

Ainda segundo o Tribunal, a licença de uso do material também evidencia a disparidade: a licença para alunos custa R$ 189, enquanto a correspondente aos professores chega a R$ 2.602. No total, o material didático dos docentes atingiria R$ 6.040 por unidade, representando um aumento de 1.000% e um superfaturamento acumulado de R$ 667,2 mil em um ano.
Responsabilização
O TCE-PE propõe a responsabilização de diversos envolvidos na contratação:
- Mind Lab do Brasil, empresa fornecedora do material;
- Fred Amâncio, então secretário de Educação, que renunciou ao cargo em 18 de março;
- Juliana de Paula Guedes de Melo, secretária executiva de Gestão Pedagógica.
O documento também sugere a aplicação de uma multa de R$ 1,6 milhão à Mind Lab pelo sobrepreço ofertado.
O que diz a Prefeitura do Recife
A Prefeitura do Recife afirmou, em nota, que o cálculo do TCE-PE é “equivocado” e que o material didático dos professores não pode ser comparado ao dos alunos por serem produtos “totalmente diferentes”.
“O documento cometeu o equívoco de relacionar o preço unitário de R$ 1.690 por professor, partindo da premissa de que seria fornecido para 300 professores, quando na realidade o material foi disponibilizado para 300 unidades escolares, atendendo mais de quatro mil docentes”, declarou a gestão municipal.
A Secretaria de Educação também defendeu a regularidade do Programa Mente Inovadora, que opera há mais de 10 anos na rede municipal, alegando que a iniciativa tem contribuído para melhorias nos resultados de matemática e desenvolvimento do raciocínio lógico.
O que diz a Mind Lab
A Mind Lab também se manifestou, alegando que não compactua com práticas que favoreçam empresas ou governos em negociações diretas. A empresa ressaltou que as compras foram feitas por inexigibilidade de licitação1, modalidade permitida pelas leis 8.666 e 14.333, justificando a contratação direta.
“As soluções da companhia são empregadas no ensino do Recife há 12 anos, e todos os processos anuais de auditoria foram julgados regulares ao longo desse período. Cabe reforçar que os valores citados não se referem a cada kit de materiais adquirido para cada professor, mas ao conjunto total de kits para docentes de cada escola”, afirmou a empresa.
Histórico de questionamentos
Este não é o primeiro caso em que a gestão de João Campos enfrenta questionamentos do TCE-PE. Em dezembro de 2024, a Corte constatou um sobrepreço de R$ 7 milhões na construção do Hospital da Criança do Recife, um dos principais projetos da atual administração.
A investigação segue em curso, aguardando julgamento definitivo pelo TCE-PE, enquanto o caso continua gerando repercussão e exigindo respostas mais detalhadas da Prefeitura sobre a gestão dos contratos públicos.
- A inexigibilidade de licitação é uma situação em que o governo pode contratar diretamente um fornecedor sem realizar uma licitação. Isso acontece quando não é possível haver concorrência entre as empresas interessadas em fornecer ao poder público. ↩︎